Doenças raras
Estou a sentir-me sujo, o mais desprezível dos seres humanos. Descobri que sou um racista. Mas antes de me rotularem, explico que o meu preconceito racial não tem nada a ver com origem ou cor da pele. Trata-se de algo que, no fundo, acaba resgatando mais explicitamente o sentido desta palavra. Vou relatar-vos um episódio que me fez abrir os olhos e diagnosticar esta vergonhosa faceta da minha personalidade:
Recentemente fui abordado por um grande amigo, cuja felicidade no rosto deixava claro que trazia boas notícias. Ele contou-me que uma cadela dele tinha acabado de parir: Nove crias. Preocupado com tantas bocas para alimentar num futuro próximo e sabendo que sou um indivíduo que aprecia a companhia canina, ele logo tratou de me oferecer um. Imediatamente manifestei meu interesse, mas para confirmar fiz uma pergunta essencial: “Anda cá, mas qual das tuas cadelas pariu? A labradora ou a rafeira?”
O preconceito racial escondia-se justamente aí, nesta pergunta aparentemente inocente. Eu tinha uma clara preferência pelos filhos do labrador. Já os da pobre rafeira não me interessavam. Dei-me conta de que estava diminuindo a raça mestiça em prol de uma raça pura.
Passei a relembrar outros pontos de meu comportamento e vi que as raízes do problema eram muito mais profundas. Notei que tenho também um imenso preconceito racial com pit-bulls e similares. Quando vejo um a caminhar na minha direção, fico logo apreensivo, protejo discretamente as minhas “jóias da família” e, quando posso, passo para o outro lado do passeio. Tudo baseado em histórias que ouço falar, mas nunca as vivi. Ele pode ser até um bom pit-bull, trabalhador, pai de família... mas meu preconceito faz com que aquele ser diferente do padrão a que estou acostumado a conviver seja considerado uma ameaça. Para falar a verdade, a única vez que fui mordido na vida, foi por um cão extremamente pacífico, que por alguma razão teve um rápido reflexo de me abocanhar as fuças e quase me deixar cego.
Outro sintoma grave é o pensamento que tenho em relação aos caniches e outros “cachorros de senhora”. Posso até respeitar a opção deles, mas no fundo não considero o comportamento deles, exageradamente delicado, algo natural. Sei lá... Acho que Deus criou os cães para serem cães. Se Ele quisesse algo fofo, limpo e ajeitado, te-los-ia feito nascerem gatos. Já me dei conta a tentar ensinar um yorkshire a ser mais agressivo, achando que aquele comportamento “anormal” dele teria cura... Vejam só, que vergonha! Eu, que até então me considerava um indivíduo respeitador da diversidade, achando que a delicadeza de algumas raças caninas tinha cura, como se fosse alguma espécie de doença.
Mas de hoje em diante lutarei para ser um novo homem. Preciso rever meus conceitos e ampliar a minha tolerância racial. Acho até que vou adoptar um pobre rafeiro que o meu amigo me ofereceu. Também pretendo iniciar uma campanha para a promoção da igualdade canina, com ideias revolucionárias como a abolição do tal pedigree, um documento infame que fomenta este regime de Apartheid canino que presenciamos em silêncio. Que a mensagem se espalhe e logo todos se consciencializem que o importante não é o tamanho, cor ou tipo de pêlo do cão, mas sim o que ele carrega dentro de si.
idades, achando que a delicadeza de algumas raças caninas tinha cura, como se fosse alguma espécie de doença.
Recentemente fui abordado por um grande amigo, cuja felicidade no rosto deixava claro que trazia boas notícias. Ele contou-me que uma cadela dele tinha acabado de parir: Nove crias. Preocupado com tantas bocas para alimentar num futuro próximo e sabendo que sou um indivíduo que aprecia a companhia canina, ele logo tratou de me oferecer um. Imediatamente manifestei meu interesse, mas para confirmar fiz uma pergunta essencial: “Anda cá, mas qual das tuas cadelas pariu? A labradora ou a rafeira?”
O preconceito racial escondia-se justamente aí, nesta pergunta aparentemente inocente. Eu tinha uma clara preferência pelos filhos do labrador. Já os da pobre rafeira não me interessavam. Dei-me conta de que estava diminuindo a raça mestiça em prol de uma raça pura.
Passei a relembrar outros pontos de meu comportamento e vi que as raízes do problema eram muito mais profundas. Notei que tenho também um imenso preconceito racial com pit-bulls e similares. Quando vejo um a caminhar na minha direção, fico logo apreensivo, protejo discretamente as minhas “jóias da família” e, quando posso, passo para o outro lado do passeio. Tudo baseado em histórias que ouço falar, mas nunca as vivi. Ele pode ser até um bom pit-bull, trabalhador, pai de família... mas meu preconceito faz com que aquele ser diferente do padrão a que estou acostumado a conviver seja considerado uma ameaça. Para falar a verdade, a única vez que fui mordido na vida, foi por um cão extremamente pacífico, que por alguma razão teve um rápido reflexo de me abocanhar as fuças e quase me deixar cego.
Outro sintoma grave é o pensamento que tenho em relação aos caniches e outros “cachorros de senhora”. Posso até respeitar a opção deles, mas no fundo não considero o comportamento deles, exageradamente delicado, algo natural. Sei lá... Acho que Deus criou os cães para serem cães. Se Ele quisesse algo fofo, limpo e ajeitado, te-los-ia feito nascerem gatos. Já me dei conta a tentar ensinar um yorkshire a ser mais agressivo, achando que aquele comportamento “anormal” dele teria cura... Vejam só, que vergonha! Eu, que até então me considerava um indivíduo respeitador da diversidade, achando que a delicadeza de algumas raças caninas tinha cura, como se fosse alguma espécie de doença.
Mas de hoje em diante lutarei para ser um novo homem. Preciso rever meus conceitos e ampliar a minha tolerância racial. Acho até que vou adoptar um pobre rafeiro que o meu amigo me ofereceu. Também pretendo iniciar uma campanha para a promoção da igualdade canina, com ideias revolucionárias como a abolição do tal pedigree, um documento infame que fomenta este regime de Apartheid canino que presenciamos em silêncio. Que a mensagem se espalhe e logo todos se consciencializem que o importante não é o tamanho, cor ou tipo de pêlo do cão, mas sim o que ele carrega dentro de si.
idades, achando que a delicadeza de algumas raças caninas tinha cura, como se fosse alguma espécie de doença.